sábado, 26 de abril de 2008

Grupo Leya boicota Feiras do Livro

Segundo uma curta notícia publicada no n.º 103 do jornal Mundo Universitário, o grupo Leya, que engloba editoras como a Asa, a Caminho, a D. Quixote e a Verbo, anunciou que não vai estar presente na Feira do Livro do Porto, ponderando também não participar na Feira do Livro de Lisboa. A principal razão para este boicote é a de que este tipo de certames não tem um volume de negócios (ou seja, de lucro) que o justifique. Perante esta atitude (única, acho eu, no mercado editorial português até aos dias de hoje, a confirmarem-se estes dados), colocam-se várias dúvidas sobre as reais intenções deste gigante editorial. É certo que vivemos numa sociedade capitalista onde o dinheiro tem muito peso, mas uma "empresa" que tem como previsão a publicação de mil novos títulos num só ano e uma facturação estimada em qualquer coisa como 90 milhões de euros anuais, não pode dar-se ao luxo de gastar uns milhares em dois acontecimentos que contribuiriam certamente para a sua auto-promoção? Será que já nem nomes sobejamente conhecidos do público, como José Saramago, Mia Couto ou Manuel Alegre, entre muitos outros, são suficientes para alimentar a voracidade dos dirigentes deste gigante? Que contributo estão a dar para tornar os livros mais acessíveis às pessoas num país com fracos hábitos de leitura, como se comprova num relatório recentemente publicado no âmbito do Plano Nacional de Leitura? Será que ao não participarem não irão perder muito mais dinheiro do que se tivessem montado nem que fosse uma única barraquinha onde concentrassem os seus melhores autores? Enfim, vamos ver se cumprem o que anunciaram. E, no fim de contas, creio que quem fica verdadeiramente a perder somos nós, leitores e amantes dos livros.

Carlos Pinheiro

7 comentários:

João Santos disse...

A justificação "volume de negócios não suficiente" é uma coisa que me irrita particularmente.
Concordo inteiramente com o que dizes e acho que o problema está numa coisa muito simples que todos temos falado nas aulas e fora delas:

perceber-se de gestão comercial não implica entender-se como funcionam determinados mecanismos, não implica entender-se como funcionam os livros na cabeça das pessoas.

Falo por mim (e pode ser que vá dizer uma barbaridade) mas NUNCA vi a Feira do Livro como um local de venda de livros - sempre a vi como um acontecimento. É o sítio onde vou porque preciso de ler, onde descubro coisas novas, onde engano vendedores que não sabem quem é o Dante e me vendem a Divina Comédia por 10€, é uma "coisa" que faz parte da Cidade, tem uma certa lógica indefinível.
É provável que esta não seja a visão correcta de um editor mas, enfim, é como dizem os Ornatos

"serão efeitos secundários da poesia".

João Santos disse...

PS:

independentemente de afirmar que nunca vi a Feira como um local de venda de livros, não implica que não saiba que isso lá se faz, que é um negócio, etcetc. É óbvio que é um negócio - quis simplesmente dizer que para mim, enquanto leitor, é muito mais que isso.
Fica a ressalva.

Anónimo disse...

Pelo que me tenho apercebido, para o grupo Leya o livro é um produto, não mais do que isso.

Assim este grupo pensa que pode tratar o livro como um detergente da loiça ou outro, esquecendo-se que para uma parte dos compradores de livros (talvez os que compram maior variedade), o livro ainda é um produto cultural e a feira do livro ainda é um evento com bastante interesse, que cria possibilidades de negócio.

As feiras do livro de Lisboa e Porto são as mais relevantes a nível nacional. E salvo erro, são as únicas em que os visitantes podem contactar com alguns escritores.

Não tenho muitas dúvidas de que, o volume de negócios até pode ser pequeno mas, se as editoras do grupo Leya não marcarem presença, uma vez que os seus autores mais relevantes e respectivos livros já não vão estar na feira do livro, vão sofrer na imagem.

Essas editoras vão passar uma imagem de quem está apenas interessado do lucro e não muito interessado nos próprios leitores/compradores. Isso não é bom, o lucro também depende de informação e de uma boa imagem e as feiras do livro também têm essa função neste negócio.

Anónimo disse...

Esta atitude do grupo Leya é de uma arrogância tremenda. Só não espero que as editoras que pertencem à Leya abram falência porque deve, certamente, haver muito boa gente a lá trabalhar.

Anónimo disse...

Porque será que não fico surpreendida?
Atentem no meu post de há dias, com o título E O OSCAR VAI PARA... em que referi uma entrevista de Manuel Alberto Valente onde este falava da posição do Isaías Gomes Teixeira à frente do Grupo. Uma tristeza.
Mas é o mesmo princípio da gestão privada dos hospitais, dos novos métodos de gestão nas escolas, etc., etc.
A ideia base é o lucro, números, contas correntes. As pessoas só existem nas estatísticas. Por isso duvido também do projecto editorial do Paulo Teixeira Pinto.
Gostaria de me enganar, mas um dia estaremos neste ou noutro blog a lamentar as opções do dito. Se eu me enganar, fico feliz, juro!
Quanto à Leya, estou como o Dinis - as editoras do grupo ainda dão trabalho a muita gente decente que temos de respeitar porque, não fosse essa a situação, a vontade seria de boicotar tudo quanto saísse dessa gigantesca moreia devoradora e não lhes comprar uma linha. Com direito a petição on-line e tudo!

Anónimo disse...

Esqueci-me:
João, percebo perfeitamente o que queres dizer quando referes que nunca viste a Feira do Livro como um local de venda de livros!
Sinto exactamente a mesma coisa e vou explicá-lo de uma forma que espero que não seja mal entendida: é como ir à Festa do Avante, que é obviamente uma festa política, mas à qual eu e milhares de outros vão por centenas de outras razões, pela festa em si, pelo que se come, sobretudo pelo que se bebe(!!), pelo que se ouve, pelos amigos que se encontram, pelos concertos, pelo teatro, pela Feira do Livro, pela Bienal de Arte... A política anda lá pelo meio, está bem, deixa-a andar...
Na Feira do Livro há gente a vender livros, está bem, deixa-os vender...
Não sei se concordas com a analogia mas eu sinto-a assim.

João Santos disse...

Exactamente, Madalena! É exactamente isso. Eu também vou à Festa, religiosamente, pelos mesmos motivos que tu. A política, como dizes, lá aparece pelo meio mas a importância daquilo é o acontecimento em si, os 3 dias de festa em Setembro.
Na Feira, o que temos de melhor é que, em vez de política (faz-me azia) temos livros e em vez de comícios (dão-me sono) temos escritores (que também mo dão, em geral).

Concordo contigo a 100%.