quarta-feira, 7 de maio de 2008

GARRETT, POR ZINK

Por Madalena Silva


Acabei de ler - pela primeira vez na vida - As Viagens na Minha Terra, na versão adaptada para os mais novos por Rui Zink.
Aqui há tempos desanquei, aqui no blog, na versão d'Os Maias de José Luís Peixoto. Apontei os problemas que considerei mal resolvidos por se tratar de romance adulto e inadaptável, em minha opinião, para crianças, sobretudo se for para reduzir a 16 páginas.
Ficou mais ou menos assente que quando saísse esta versão do romance de Garrett, teria de a ler e fazer uma "análise comparativa".
Feito esse TPC, resulta que o meu parecer é francamente mais positivo: o nosso Zink saiu-se, sem sombra de dúvida, melhor que o amigo Peixoto.
Gostei da solução da "voz" do Garrett e do "copy paste".
A opção por uma abordagem deste tipo é obviamente mais inteligente porque coloca o ónus da literariedade do texto em cima do seu verdadeiro autor, embora tal resulte para o melhor mas também para o pior.
E o pior, no caso, continua a ser, em meu entender e reiterando aquilo que já apontei na crítica a Os Maias, o conteúdo e não tanto a forma. É que não é efectivamente pêra doce adaptar estes romances a uma linguagem que, não sendo imbecil ou imbecilizante só porque se dirige a crianças - que, ao contrário do que o João dizia no seu comentário ao meu post anterior, não são imbecis, antes são do mais vivaço e muitas vezes crítico que há por aí - também não pode ser indecifrável sob pena de se falhar por completo o objectivo traçado inicialmente.
E, neste aspecto, esta adaptação das Viagens também contém alguns parágrafos mais densos e de maior dificuldade de interpretação. Refiro, apenas a título de exemplo, a passagem onde se fala pela primeira vez de Frei Dinis - frades, barões, Sancho Pança, D. Quixote, sociedade velha, sociedade nova... demasiadas referências literárias a exigir conhecimentos prévios que, muito provavelmente, os jovens leitores não têm.
Em termos visuais, quer uma quer outra estão bonitas e, nesse âmbito, deixo uma especial referência ao trabalho de ilustração e de paginação que me parece excelente.
Resta-me confessar que ainda não foi desta que me conseguiram convencer a ler o original.
Até porque a história é deprimente - ninguém casa, o mulherio fica meio morto e meio louco, o herói sai de cena sem dizer água vem, o frade dá de "frosques" sem dizer água vai... a única que tem o meu apoio incondicional é a inglesa que voltou à base e recomeçou a vida com namorado novo. Boa! "Ganda" Georgina.

4 comentários:

João Santos disse...

"Aparte disso, concordo, a culpa não é dele; parte também da súbita obrigação fofa de reescrever obras "para as crianças" (e como as crianças são, acima de tudo, imbecis, temos obrigatoriamente de imbecilizar as obras em questão, tanto mais quanto as obras em questão NÃO forem originalmente dirigidas ou compostas "para as crianças".)"


As crianças podem ser irritantes (porque o são, está provado pelo MIT) mas só serão imbecis se as tornarmos nisso. A minha crítica ia toda para o escritor/editor que julga ter de imbecilizar a obra.
Acho que subestimamos demasiadamente os outros. Achamos sempre que "não estão preparados", que são "demasiado sensíveis", etc... já é tempo de acabar com isso.
Com o comentário que deixei anteriormente as crianças não eram, de todo, o alvo. Os "adultos" sim.

Anónimo disse...

1º- anseio ler esta adaptação.

2º- joão, irritantes são os pais das crianças e eu sei isso bem pois sou professor do 1º ciclo.

3º- Os adultos pedem essa imbecilização, e isso nota-se nos best-sellers e nos filmes mais vistos. Existem outras opções, mas a escolha final é imbecil, porque esvaziar o cérebro dá uma leve sensação de orgasmo. Portanto, há que dar-lhes o que querem (?).

Anónimo disse...

João,
está percebido o teu comentário. E também concordo contigo que não podemos continuar a achar que os outros "não estão preparados", são "demasiado sensíveis" etc. É à pala dessas atitudes que os responsáveis pelas televisões - com especial incriminação das públicas - continuam a programar na linha directa da imbecilidade absoluta, dando à estampa quantos big brothers temos visto e tardes das Júlias e manhãs dos Gouchas e Cláudios Ramos afins.
Contudo, considero que há sempre um referencial que é necessário ter em conta, nomeadamente o que nos permite perceber do que é que se está a falar, e que pode não passar pelo grau de instrução mas passa obrigatoriamente pela experiência de vida, nos seus diferentes níveis, aqui se incluindo o cultural. É por isso que o meu pai, cuja formação académica assentava na antiga 4ª classe, ainda que daquelas em que a malta até tinha de saber os ramais e os apeadeiros dos caminhos de ferro de Angola e Moçambique, lia com prazer e facilidade Urbano, Torga, Cardoso Pires, Aquilino, Ferreira de Castro, Dostoievsky, Hemingway ou Steinbeck, entre muitos e muitos outros, e há por aí muito licenciado, mestre e doutor que, alguns destes nomes nem sabe quem são muito menos ler-lhes as obras.
Não é que as licenciaturas de agora sejam piores que a 4ª classe de antigamente, a vida é que não lhes ensinou a gostar de ler e a perceber o que é que Steinbeck nos queria dizer quando escreveu as Vinhas da Ira. É a falta de referencial que eu mencionava lá atrás. Aplica-se a mesma reflexão na escrita para crianças ou para os mais jovens.
Só se pode ir até onde eles sabem do que é que se está a falar.
Dinis:
quanto a ti, temos de falar porque ao que parece tens informações a respeito dos efeitos secundários da massa cinzenta em vácuo, que me interessam.

Anónimo disse...

Madalena e João, claro que concordo que não devemos baixar o nível, daí o ? ( ).

Madalena:

1- "A pobre ceifeira" do Pessoa.

2- Atingir o Nirvana (não o Kurt Cobain, mas no sentido budista)

3- A dor de pensar (também pessoano, e também um dos temas do texto referido anteriormente)

São 3 exemplos a favor do orgasmo-de-vacuidade.