sábado, 5 de janeiro de 2008

O pontapé de saída para o nosso Cadáver Esquisito!

Conforme prometido, aqui vai o 1º microconto que constituirá o contributo inicial para o nosso projecto de Cadáver Esquisito adaptado.
Espero que gostem.
A ideia é que o próximo pegue na última frase e lhe dê continuidade, com absoluta liberdade criativa, claro. Para cumprir a regra do limite das 20 linhas, eu optei por criar o documento em Word e depois copiei-o para aqui. Acho que facilita por causa da ferramenta de contar palavras.
Também não lhe dei título porque acho que poderia ser redutor e condicionar os seguintes. Pensamos nisso no fim.

Aqui vai e divirtam-se!


Quando o Barata ficou viúvo, ao fim de 40 anos de casamento desinteressado e desinteressante, o Costa – amigo de sempre – aconselhou-o a arranjar um cão. “Sempre é uma companhia!” dizia, procurando consolar o parceiro de dominó sem perceber que, na sua recente condição de celibatário forçado, o que o Barata mais vinha apreciando era precisamente a ausência de companhia. Temeroso da crítica se se percebesse que o seu desgosto era de lágrima difícil, o Barata resmungava um “não sei, não sei”, mas acabou por ceder. O Costa arranjou-lhe um rafeiro de pata rasteira e pêlo crespo e acastanhado que, em baptismo colectivo numa tarde de dominó acérrimo, recebeu o nome de Chocolate por causa da cor e de uma certa doçura que lhe transparecia no olhar canino e inevitavelmente fiel.
Seis meses depois, o Barata e o Chocolate estavam em plena lua-de-mel e o viúvo, não sem algum constrangimento à mistura, dava consigo a pensar que a sua relação actual era substancialmente mais feliz que a anterior.
Até à noite em que acordou em sobressalto e, ao seu lado na cama, sentiu um rosnar ameaçador. Acendeu a luz e estranhou o olhar do cão, amarelo de rancor, o beiço levantado a mostrar os caninos ferozes, e aquele ronco interior que não prenunciava nada de bom. E então sentiu a alma a empapar-se em suores frios quando o bicho abriu a boca e lhe disse, numa voz que ele reconheceria em qualquer lado como a da sua falecida Zulmira: “Com que então, achaste que te livravas de mim? Pois estás muito enganado! Agora é que vais ver como elas te mordem!”



Madalena Silva

1 comentário:

Susete Evaristo disse...

Livra!!! É por essas e por outras que não quiz nem quero nem cão nem gato.